As cinco chagas da
Liturgia
(Texto em
português de Portugal)
INTRODUÇÃO:
Prendeu-se-nos a atenção sobre
este bem singular título, pelo simples facto de seu autor ser justamente o autor
do já bem conhecido livro “Dominus est”, que nos vem esclarecer o
tão profanado mistério da Eucaristia, nestes nossos tristes dias de hoje. Não
havia dúvidas: teríamos que o tornar conhecido pelos leitores de “Anunciai a
Boa Nova”, uma vez que também as nossas edições tiveram o gosto de traduzir
o seu livro “Dominus est” e ele continuar à disposição de
todos os leitores de “Edições Boa Nova”.
É bom não esquecer que este mesmo
livro é prefaciado justamente pelo Secretário da Congregação do Culto Divino e
da Disciplina dos Sacramentos, Sua Eminência, o Cardeal Ranjith, o que nos dá
também uma perfeita idéia do que dele pensa o actual Papa Bento XVI. Aliás,
todos deveremos certamente já conhecer a ideal forma como o próprio Papa
administra sempre a Sagrada Comunhão: de joelhos, na “Mesa da comunhão”,
e na boca. E este é também o motivo pelo qual, nesta nossa Fraternidade, assim
se administra a Sagrada Comunhão.
Edições Boa
Nova.
QUEM É MONS.
SCHNEIDER?
Para o célebre vaticanista Sandro
Magister, Monsenhor Athanasius Schneider é, com o Cardeal Ranjith, o melhor
aluno de Bento XVI. Um aluno que o é, não apenas pelas idéias que defende, mas
também pelo estilo que ostenta ou divulga.
Longe de ser um bispo mediático, é
um homem meigo e bom, que respira uma fé profunda e tranqüila.
Nasceu no dia 7 de abril de 1961,
no seio de uma família alemã (mas originária da Alsácia) deportada por Staline e
um de seus avós foi mesmo fusilado em 1936, porque era considerado como
“Koulak” (rico proprietário camponês, na Rússia).
Em 1973, a sua família conseguiu
partir para a Alemanha, onde o jovem Schneider, que apenas falava russo, teve de
se familiarizar como alemão e seguir o curso escolar em instituições religiosas.
Entrou seguidamente na Congregação
dos Cônegos regulares da Santa Cruz e foi ordenado Sacerdote no dia 25 de março
de 1990.
CHAMADO PARA O
KASAQUISTÃO
No momento da preparação do seu
doutoramento em teologia patrística em Roma, o futuro Mons. Schneider
encontrou-se com um sacerdote do Kasaquistão, que o convidou a ensinar no
primeiro Seminário deste país. Finalmente, o arcebispo de Karaganda, Mons. Jan
Pawel Lenga, pediu-lhe que ficasse neste país para o ajudar na reconstrução da
Igreja.
Primeiro, director espiritual do
Seminário, Athanasius Schneider passou a ser o Chanceler da Cúria Episcopal de
Karaganda, redactor chefe do Jornal católico em língua russa, Credo.
Fundou igualmente três paróquias, antes de ser ordenado bispo, em Roma, no dia 2
de junho de 2006.
Mons. Schneider é também o autor
do pequeno livro: “Dominus est” para compreensão do rito da
comunhão praticado por Bento XVI (já nos tempos de 2008). A obra compreende uma
pequena parte, que nos conta a vida heróica das mulheres católicas, por ele
chamadas “eucarísticas” que, na época da dominação soviética levavam em
segredo a Sagrada Comunhão aos fiéis. A partir destes exemplos, que ele mesmo
conheceu directamente, Mons. Schneider evoca ou traz-nos à recordação os Padres
da Igreja e a história da Liturgia, tanto no Oriente como no Ocidente,
esclarecendo-nos as razões e a importância de receber a Sagrada Comunhão de
joelhos e na boca. Segundo Sandro Magister, “Quando Bento XVI leu o
manuscrito de Mons. Schneider, em 2008, imediatamente ordenou às Edições
do Vaticano (Libreria Editrice Vaticana) que o publicassem.”
Bispo missionário num país em que
os católicos estão em minoria, profundamente caritativo e dominado pelo bem das
pessoas, Mons. Schneider é também um homem de convicções que são bem enraizadas
numa verdadeira vida de oração e numa formação teológica de primeira classe. No
momento do seu encontro com o Reunicato (1), em janeiro passado,
numa sala paroquial da Igreja de Nossa Senhora das Graças, em Paris, deu uma boa
sova, sobretudo a um jovem clérigo diocesano, com as suas firmes propostas,
feitas aliás com uma grande e caritativa delicadeza. Demos, pois, a palavra a
Mons. Schneider:
AS CINCO CHAGAS DA
LITURGIA
Para falar correctamente da nova
evangelização, é indispensável lançar primeiro o nosso olhar sobre Aquele que é
o verdadeiro Evangelizador, isto é, Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, o
Verbo de Deus feito Homem.
O Filho de Deus veio a esta Terra
para espiar e resgatar o maior pecado, o pecado por excelência. E este pecado,
por excelência, da humanidade consiste na sua rejeição de adorar a Deus, na sua
rejeição de Lhe reservar o primeiro lugar, o lugar de honra. Este pecado dos
homens consiste no facto de se não prestar já atenção a Deus, no facto de se não
ter já o verdadeiro sentido das coisas, isto é, nos pormenores ou pontos de
vista que elevam ou nobilitam Deus e a adoração que Lhe é devida, no facto de se
não querer já ver Deus, no facto de se não querer já ajoelhar diante
d’Ele.
Perante uma tal atitude, a
Incarnação de Deus é incômoda ou embaraçosa, como embaraçosa é também, por
conseqüência, a presença real de Jesus no mistério Eucarístico, e embaraçosa é
também a centralidade da presença Eucarística de Deus nas igrejas. Com efeito, o
homem pecador quer pôr-se no centro, tanto no interior da igreja como na
celebração Eucarística: quer ser visto, quer ser notado. E é esta a razão pela
qual Jesus Eucaristia, Deus Incarnado, presente no Sacrário sob a forma
eucarística, se prefere colocar de lado. A própria representação do Crucificado,
na Cruz, ao centro do altar, na celebração virada para o povo é embaraçosa,
porque então, o rosto do sacerdote passaria a ficar ocultado. Por conseguinte, a
imagem do Crucificado, no centro, tal como Jesus Eucaristia, no Sacrário,
igualmente no centro, são embaraçosos ou incômodos.
E deste modo, a Cruz e o Sacrário
são pura e simplesmente postos de lado. Durante o Ofício, os assistentes devem
poder ver ou observar permanentemente o rosto do sacerdote e este tem todo o
prazer em se colocar literalmente no centro da Casa de Deus. E se por acaso
Jesus Eucaristia é mantido no seu Sacrário, no centro do altar, porque o
Ministério dos Monumentos Nacionais, mesmo sob um regime ateu, proibiu, por
razões de simples conservação do patrimônio artístico, deslocá-Lo, o sacerdote,
muitas vezes, ao longo de toda a celebração litúrgica, volta-Lhe às costas sem
escrúpulo algum.
JESUS NO
CENTRO
Quantas vezes, maravilhados, os
fiéis adoradores de Cristo, na sua simplicidade e humildade se terão visto a
clamar: “Abençoados sejais vós, os Monumentos Nacionais! Vós mesmos, pelo menos,
nos tereis deixado Jesus no centro da nossa igreja.”
Só a partir da adoração e da
glorificação de Deus e dá Igreja se poderá anunciar, de uma forma adequada, a
Palavra da Verdade, isto é, evangelizar. Antes que o mundo ouvisse Jesus, o
Verbo eterno feito carne, pregar e anunciar o Reino, Jesus calou-se e adorou
durante trinta anos. E isso mesmo fica sendo para sempre a lei da vida e acção
da Igreja, assim como a de todos os evangelizadores.
“É na forma de tratar a liturgia
que se decide a sorte da fé e da Igreja”, afirmou o Cardeal Ratzinger,
nosso actual Santo Padre, o Papa Bento XVI. O Concílio Vaticano II, quis lembrar
a Igreja que realidade e acção deveriam tomar o primeiro lugar na sua vida. E
foi justamente para isso que o primeiro documento conciliar foi consagrado à
Liturgia. A respeito disso, o Concílio dá-nos os seguintes princípios:
Na Igreja, e por conseguinte na
Liturgia, o humano se deve ordenar ao divino, o visível ao invisível, a acção à
contemplação e o presente à Cidade futura a que todos nós aspiramos (cf.
Sacrosanctum Concilium, n. 2).
Por isso, tudo, na Liturgia da
Santa Missa, deve servir para que se exprima da mais nítida forma, a realidade
do Sacrifício de Cristo, isto é, as orações de adoração, de acção de graças, de
expiação, de petição, que o Eterno Sumo Sacerdote apresentou a Seu Pai.
UM CÍRCULO
ABERTO
O rito e todos os pormenores ou
detalhes do Santo Sacrifício da Missa devem estar orientados no sentido da
glorificação e da adoração de Deus, insistindo-se, sobretudo, na centralidade da
Presença de Cristo, quer no sinal e na representação do Crucificado, quer na
Presença Eucarística no Sacrário, e sobretudo, no momento da Consagração e da
Sagrada Comunhão. Quanto mais isto mesmo for respeitado, tanto menos o homem se
coloca no centro da celebração, tanto menos a celebração se assemelha a um
círculo fechado, mas sim pelo contrário está aberto, mesmo de uma forma
exterior, para Cristo, como numa verdadeira procissão que se dirige para Ele,
com o sacerdote à cabeça; e quanto mais uma celebração litúrgica reflectir, de
uma forma verdadeira, o sacrifício de adoração de Cristo na cruz, tanto mais
ricos serão os frutos que os participantes irão receber na sua alma, que vêm da
glorificação de Deus, tanto mais o próprio Deus os honrará.
Quanto mais o sacerdote e os fiéis
procurarem em verdade, nas celebrações Eucarísticas, a glória de Deus e não a
glória dos homens, e não procurarem receber a glória uns dos outros, tanto mais
Deus os honrará, deixando, então, que a sua alma participe, de uma forma bem
mais intensa e mais fértil, na glória e na honra de Sua vida
divina.
Na hora actual e em diversos
lugares da Terra, muitas são as celebrações da Santa Missa, em que se poderia
dizer a seu respeito as palavras seguintes, invertendo deste modo as palavras do
Salmo 113 B, versículo 1: “A nós, ó Senhor, e a nosso nome, dai glória” e por
outro lado, o propósito de tais celebrações se aplicam as palavras de Jesus:
“Como podeis acreditar, vós que tirais a glória uns dos outros e não buscais a
glória que vem de Deus?” (Jo. 5, 44). O Concílio Vaticano II emitiu, a respeito
de uma reforma litúrgica, os princípios seguintes:
1 – O humano, o temporal, a
actividade devem, durante a celebração litúrgica, orientar-se pelo divino, pelo
eterno, pela contemplação, e ter um papel subordinado, relativamente a estes
últimos (cf.
Sacrosanctum Concilium, n. 21).
2 – Durante a celebração
litúrgica, dever-se-á encorajar ou estimular a tomada de consciência de que a
liturgia terrestre participa da liturgia celeste (cf. Sacrosanctum Concilium, n.
8).
3 - Não deve haver nela
absolutamente nenhuma inovação e, por conseguinte, nenhuma criação nova de ritos
litúrgicos, sobretudo no rito da Missa, a não ser que seja para um proveito
verdadeiro e certo a favor da Igreja e sob a condição de que se proceda com
prudência e de que eventualmente formas novas substituam formas já existentes de
maneira orgânica (cf. Sacrosanctum Concilium, n.
23).
4 – Os ritos da Missa devem ser de
tal forma, que o sagrado seja expresso mais explicitamente (cf. Sacrosanctum Concilium, n.
21) .
5 – O latim deve ser conservado na
liturgia, e sobretudo na Santa Missa (cf. Sacrosanctum Concilium,
n.os 36 e 54).
6 – O canto gregoriano tem o
primeiro lugar na liturgia (cf. Sacrosanctum Concilium, n.
116).
Os Padres conciliares viam as suas
propostas de reforma como a continuação da reforma de São Pio X
(cf.
Sacrosanctum Concilium, n. os 112 e 117) e do servo de Deus Pio XII, e com
efeito, na constituição litúrgica, é a encíclica Mediator Dei do Papa Pio
XII que mais é citada.
O Papa Pio XII deixou à Igreja,
entre outros, um princípio importante da doutrina sobre a santa liturgia, isto
é, a condenação daquilo que se chama o arqueologismo litúrgico, cujas propostas
coincidiam largamente com as do sínodo jansenista e protestantizante de Pistóia,
de 1786 (cf.
Mediator Dei, n. os 63 e 64). E que de facto lembra os
pensamentos teológicos de Martinho Lutero.
UM SACRIFÍCIO E NÃO
UM BANQUETE
Eis porque já o Concílio de Trento
condenou as idéias litúrgicas protestantes, notavelmente a acentuação exagerada
da noção de banquete na celebração Eucarística em detrimento do carácter
sacrificial, a supressão dos sinais unívocos de sacralidade como expressão do
mistério da liturgia (cf. Concílio de Trento,
seção XXII).
As declarações litúrgicas
doutrinais do magistério, como neste caso do Concílio de Trento e da Encíclica
Mediator Dei, que se reflectem numa práxis litúrgica secular, isto é, de
mais de um milênio, constante e universal, estas declarações, por conseguinte,
fazem parte deste elemento da santa Tradição que se não pode abandonar, sem
correr graves riscos no plano espiritual.
Estas declarações doutrinais sobre
a liturgia, retomou-as o Vaticano II, como se pode constatar ao ler os
princípios do culto divino na constituição litúrgica Sacrosanctum Concilium.
Como erro concreto no pensamento e
agir do arqueologismo litúrgico, o Papa Pio XII cita a proposta feita de dar ao
altar a forma de uma mesa (cf. Mediator Dei, n. 62). Se já o Papa Pio XII
recusava o altar com uma forma de mesa, imagine-se como ele teria a fortiori,
com maior força de razão rejeitado a proposta de uma celebração como ao
redor de uma mesa “versus populum” (virada para o
povo)!
Se o Sacrosanctum Concilium
ensina no n. 2 que, na liturgia, a contemplação deve ter a prioridade e que
toda a celebração da Santa Missa deve ser orientada para os mistérios celestes
(cf. itens
n. os 2 e 8), nele se encontra um eco fiel da
seguinte declaração do Concílio de Trento que dizia:
“uma vez que a natureza do homem
está feita de tal modo, que se não deixa facilmente erguer para a contemplação
das coisas divinas sem ajudas exteriores, a Mãe Igreja, na sua benevolência,
introduziu ritos preciosos; e recorreu, apoiando-se no ensinamento apostólico e
na tradição, as cerimônias tais como bênçãos cheias de mistérios, velas ou
círios, incenso, vestes litúrgicas e muitas outras coisas; tudo isso deveria
incitar os espíritos dos fiéis, graças a sinais visíveis da religião e
da piedade, à
contemplação das coisas sublimes.” (Sessão XXII, cap.
5)
Os ensinamentos citados do
magistério da Igreja, e sobretudo o da Mediator Dei , foram sem dúvida
alguma reconhecidos pelos Padres conciliares como plenamente válidos; por
conseguinte, eles mesmos devem continuar hoje ainda a ser plenamente válidos
para todos os filhos da Igreja.
Na sua carta dirigida a todos os
bispos da Igreja católica, que Bento XVI juntou ao motu próprio
Summorum Pontificum de 7 de julho de 2007, o Papa faz esta
declaração importante: “Na história da liturgia, há crescimento e
progresso, mas não ruptura. Aquilo que foi sagrado para as gerações passadas,
deve permanecer sagrado e grande para nós.”
Dizendo isto, o Papa exprime o
princípio fundamental da liturgia que o Concílio de Trento, o Papa Pio XII e o
Concílio Vaticano II ensinaram.
PRINCÍPIOS NÃO
SEGUIDOS
Se olharmos agora, sem
preconceitos e de uma forma objectiva, para a prática litúrgica da esmagadora
maioria das Igrejas em todo o mundo católico, em que a forma ordinária do rito
romano está em uso, com toda a honestidade, ninguém poderá negar que os seis
princípios litúrgicos mencionados pelo Concílio Vaticano II não são respeitados
ou apenas o serão bem pouco; muito embora se declare, erroneamente, que essa
prática da liturgia foi sonhada pelo Vaticano II.
Há um certo número de aspectos
concretos, na prática dominante actual, no rito ordinário que representam uma
verdadeira ruptura ou contradição com uma prática litúrgica constante, desde há
mais de um milênio. Trata-se dos seguintes usos litúrgicos, que bem se poderão
designar como sendo AS CINCO CHAGAS DO CORPO MÍSTICO LITÚRGICO DE
CRISTO.
Trata-se de chagas, porque elas
representam uma violenta ruptura com o passado; porque na realidade elas põem um
bem menor acento no carácter sacrificial, que entretanto é extraordinariamente
belo e que é justamente o carácter central e essencial da Santa Missa, e
sublinham acima de tudo a idéia de banquete. E tudo isso diminui os sinais
exteriores da adoração divina, porque põem em muito menor relevo o carácter do
mistério, naquilo que ele tem de celeste e eterno.
Quanto às cinco chagas, trata-se
daquelas que, com excepção de uma delas (as novas orações do
ofertório), não estão previstas na forma ordinária do rito da
Santa Missa, mas foram INTRODUZIDAS PELA PRÁTICA DE UM MODO BEM
DEPLORÁVEL.
1 – A primeira chaga e a mais
evidente é a celebração do Santo Sacrifício da Missa, em que o sacerdote celebra
virado para os fiéis, particularmente na Oração Eucarística e na
Consagração, o momento mais alto e o mais sagrado da adoração que é devida a
Deus. Esta forma ou posição exterior corresponde mais, pela sua natureza, à
forma de que se faz uso no momento em que se partilha uma refeição. Estamos,
pois, na presença de um círculo fechado. Ora, esta forma, não está de modo algum
conforme com o momento da oração, e muito menos ainda com o da adoração. Esta
forma, de modo algum foi sequer sonhada ou desejada e jamais foi recomendada
pelo magistério dos Papas postconciliares. O Papa Bento XVI escreve, no seu
prefácio ao primeiro tomo das suas obras completas:
“A idéia de que o sacerdote e a
assembléia devem estar a olhar-se no momento da oração nasceu entre os modernos
e é absolutamente estranha à cristandade tradicional. O sacerdote e a assembléia
não se dirigem mutuamente uma oração, mas é ao Senhor que ambos se dirigem, eis
porque, na oração, eles mesmos devem olhar na mesma direcção: ou para o Oriente,
como sendo esta direção o símbolo cósmico do regresso do Senhor, ou então, onde
isto não seja possível, para uma imagem de Cristo situada na ábside, para uma
cruz ou muito simplesmente para o alto.”
VIRADOS PARA O
SENHOR
A forma da celebração em que todos
dirigem o seu olhar para a mesma direcção (conversi ad orientem, ad Crucem,
ad Dominum – virados para o Oriente, para a Cruz, para o Senhor) é até mesmo
evocada pelas rubricas do novo rito da Missa (cf. Ordo Missae, n. 25, nn 133 e
134). A
celebração que se chama “versus populum” (virado para o povo) não
corresponde evidentemente à dieia da santa liturgia, tal como ela é mencionada
nas declarações do documento do Vaticano II (Sacrosanctum Concilium n. 2
e 8).
2 – A segunda chaga é a comunhão
na mão, espalhada praticamente em toda a parte, no mundo.
A segunda chaga é a comunhão na
mão, espalhada praticamente em toda a parte, no mundo. Não só esta forma de
receber a comunhão não foi evocada ou citada de modo algum pelos Padres
conciliares do Vaticano II, mas também é tristemente introduzida por um certo
número de bispos em claríssima desobediência à Santa Sé, e no desprezo do voto
negativo, em 1968, da maioria do corpo episcopal (1). Só depois o Papa Paulo VI a
legitimou sob condições particulares, e bem contra a sua própria
vontade.
O Papa Bento XVI, depois da festa
do Santíssimo Sacramento de 2008, não mais distribuiu a Comunhão senão a fiéis
de joelhos e na língua, exigindo sempre a chamada “mesa da comunhão”, e não
apenas em Roma, mas também em todas as igrejas locais que visita. Com esta
atitude, ele mesmo dá a toda a Igreja, um claro exemplo do magistério prático em
matéria litúrgica. Se a maioria qualificada do corpo episcopal, três anos depois
do Concílio, rejeitou ou recusou a Comunhão na mão, como algo de nocivo ou
prejudicial, quanto mais os Padres conciliares o teriam igualmente
feito!
(1) – Em Portugal, e soubemo-lo
directamente do próprio Arcebispo Primaz, D. Francisco Maria da Silva,
infelizmente, esta determinação veio de uma simples votação feita pela própria
Conferência Episcopal reunida em Fátima. Venceu a maioria, mas o próprio
Arcebispo de Braga de então exigiu que na Acta da reunião se declarasse: “O
Arcebispo de Braga não assina esta decisão.” Ainda hoje recordamos o próprio
lugar do Santuário do Sameiro em que o Sr. D. Francisco Maria da Silva no-lo
declarou pessoalmente, ao dizer-nos qual a sua opinião sobre a Comunhão na mão.
E reconhecemos aliás que, já nesse tempo, a opinião do Arcebispo de Braga, D.
Francisco Maria da Silva, estava plenamente de acordo com a decisão do Papa de
hoje, Bento XVI.
3 – A terceira Chaga são as novas
orações do Ofertório.
Elas são uma criação inteiramente
nova e jamais foram usadas na Igreja. Estas orações exprimem muito menos a
evocação do mistério do Sacrifício da Cruz, que a de um banquete, que lembra as
orações da refeição sabática dos Judeus. Na tradição mais que milenária da
Igreja, tanto do Oriente como do Ocidente, as orações do Ofertório tem sempre
sido orientadas expressamente no sentido do mistério do Sacrifício da Cruz
(cf. p. ex.
Paul Tirot, História das orações do ofertório, na liturgia romana, do século
VII ao século XVI, Roma, C.L.V., 1985).
Uma tal criação absolutamente nova
está sem dúvida alguma em contradição com a formulação bem clara do Vaticano II
que lembra: “Finalmente, não se introduzam inovações, a não ser que uma
utilidade autêntica e certa da Igreja o exija, e com a preocupação de que as
novas formas como que surjam a partir das já existentes”
(Sacrosanctum
Concilium, n. 23).
4 – A quarta chaga é o
desaparecimento total do latim e do canto gregoriano, na imensa maioria das
celebrações Eucarísticas de forma ordinária, na totalidade dos países
católicos.
Está nisso uma infracção directa
contra as decisões do Vaticano II.
5 – A quinta Chaga é o exercício
dos serviços litúrgicos de Leitor e de Acólito por mulheres, assim como o
exercício destes mesmos serviços em hábito civil, penetrando assim no coro
durante a Santa Missa, vindos directamente do espaço reservado aos fiéis.
Este costume jamais existiu na
Igreja ou, pelo menos, nunca foi bem-vindo. Um tal costume confere à celebração
da Santa Missa católica o carácter exterior de algo informal, o carácter e o
estilo de uma assembléia, mais profana que religiosa. O segundo concílio de
Niceia já proibia, em 787, tais práticas, editando este cânone: “Se alguém
não está ordenado, não lhe é permitido fazer a leitura do ambão, durante
a santa liturgia.” (can 14)
Esta norma foi constantemente
respeitada na Igreja. Só o subdiáconos ou os leitores tinham o direito de fazer
a leitura durante e liturgia da Missa. Em substituição do subdiáconos e leitores
ou acólitos que viessem a faltar, só homens ou jovens moços de hábitos
litúrgicos as poderiam fazer, e não mulheres, uma vez reconhecido que o sexo
masculino, no plano da ordenação não sacramental dos leitores e acólitos
representa simbolicamente a última ligação com as ordens menores.
Nos textos do Vaticano II, não é
feita de modo algum qualquer menção da supressão das ordens menores e do
subdiaconado, nem da introdução de novos ministérios. Na Sacrosanctum
Concilium
n.28,
o Concílio faz
a diferença entre minister e fidelis durante a celebração litúrgica e
estipula ou determina que um e outro tenham direito de não fazer senão aquilo
que lhes compete segundo a natureza da liturgia. O n. 29 menciona os “ministrantes”, isto
é, os servos do altar que não receberam nenhuma ordenação. Em oposição a esses
“ministrantes”, haveria, segundo os termos jurídicos da época, os “ministros”,
isto é, aqueles que receberam uma ordem, quer maior, quer menor.
UM APELO A UM
ESPÍRITO MAIS SAGRADO
Pelo motu próprio “Summorum
Pontificum”, o Papa Bento XVI estipula ou determina que as duas formas de rito
romano são de considerar e de tratar com o mesmo respeito, porque a Igreja
continua a ser a mesma antes e depois do Concílio. Na carta que acompanhou o
motu próprio, o Papa deseja que as duas formas se enriqueçam mutuamente. Além
disso, deseja que na nova forma “se verifique, mais do que tem acontecido até
ao presente, o sentido do sagrado, que acaba por atrair muitíssimas pessoas para
o rito antigo.”
As quatro chagas litúrgicas ou
infelizes práticas (celebração virada para o povo (versus populum),
comunhão na
mão, abandono total do latim e do canto gregoriano e intervenção das mulheres no
serviço da leitura e no de acólitos), não tem em si mesmas nada a ver com a
forma ordinária da missa e estão ainda mais em contradição com os princípios
litúrgicos do Vaticano II. Se se pusesse termo a estas práticas, voltaríamos ao
verdadeiro ensinamento litúrgico do Vaticano II. E nesse momento, as duas formas
do rito romano se viriam então a aproximar muitíssimo, de forma que, pelo menos
exteriormente, em nada teríamos que reconhecer ruptura alguma entre essas duas
formas e, por esse motivo, não haveria ruptura alguma entre a Igreja antes do
Concílio e a Igreja depois do mesmo Concílio.
Naquilo que se relaciona com as
novas orações do Ofertório, seria desejável que a Santa Sé a substituísse pelas
orações correspondentes da forma extraordinária ou, pelo menos, que permitisse a
sua utilização ad libtum. E deste modo, seria evitada a ruptura entre as
duas formas, não apenas exteriormente, mas também interiormente.
A ruptura na liturgia é justamente
aquilo que a maioria dos Padres conciliares jamais quis; e testemunham-no
muitíssimo bem as Actas do Concílio, porque nos dois mil anos de história da
Liturgia na Santa Igreja, jamais houve ruptura litúrgica e, por conseguinte,
jamais a deve haver agora. Pelo contrário, deve haver nela uma continuidade,
como convém que o seja para o próprio magistério. As cinco chagas no corpo
litúrgico da Igreja aqui evocadas ou indicadas reclamam ou exigem uma verdadeira
cura. Elas mesmas representam uma ruptura semelhante à do exílio de Avinhão.
A situação de uma tão nítida
ruptura numa expressão da vida da Igreja, que está bem longe de ser sem
importância (outrora, a ausência dos papas da cidade de Roma; hoje, a ruptura
visível entre a liturgia de antes e de depois do Concílio), e, por conseguinte,
esta situação exige cura.
Eis porque se tem hoje necessidade
de novos santos, de uma ou de mais Santas Catarinas de Sena (2). Tem-se necessidade da
“Vox populi fidelis” (voz do povo fiel) a reclamar a supressão ou
desaparecimento desta ruptura litúrgica. Mas o trágico da história é que hoje,
como outrora, no tempo do exílio de Avinhão, uma grande maioria do clero,
sobretudo do alto clero, se satisfaz com este exílio, com esta ruptura. Antes
que se possam esperar frutos eficazes e duradoiros da nova evangelização, é
necessário primeiro que se instaure no interior da Igreja um processo de
verdadeira conversão. Como poderemos nós chamar ou convidar os outros a
converter-se enquanto entre aqueles que fazem este mesmo convite se não realizou
ainda nenhuma conversão convincente para Deus, porque, na liturgia, eles mesmos
se não viraram suficientemente para Deus, tanto interior como exteriormente?
Celebra-se o Santo Sacrifício de Cristo, o maior mistério da fé, o acto de
adoração mais sublime, num círculo fechado, olhando-se uns para os outros.
(2) Santa Catarina de Sena foi célebre nas
suas famosas e bem determinantes cartas enviadas ao Papa, nesse tempo a viver em
Avinhão e não em Roma, declarando-lhe o seu indiscutível dever de viver em Roma
e não em Avinhão. Graças a Deus, a biblioteca desta nossa Fraternidade tem a
oportunidade de possuir e conhecer muito bem estas famosas cartas e variados
escritos espirituais de S. Catarina de Sena. (n.d.t.p.)
A CONVERSÃO PARA DEUS
“CONVERSIO AD DOMINUM”
Falta a “Conversio ad
Dominum” necessária, mesmo exteriormente, fisicamente. Uma vez que durante a
liturgia se trata Cristo como se não fosse Deus, e que se lhe não manifestam
sinais exteriores claros de uma adoração devida só a Deus, pelo facto de os
fiéis receberem a Sagrada Comunhão de pé e, mais ainda, tomarem a Hóstia
Consagrada nas suas mãos, como se tratasse de um ordinário alimento, agarrando-o
com os dedos e metendo-o eles mesmos na boca. Há nisto o perigo de uma espécie
de arianismo ou de um semiarianismo eucarístico. Uma das condições necessárias
de uma frutuosa nova evangelização seria o testemunho seguido por toda a Igreja
no plano de culto litúrgico público, que observasse pelo menos estes dois
aspectos de culto divino, isto é:
1 – Que em toda a terra, a Santa
Missa fosse celebrada mesmo na forma ordinária, com a “Conversio ad
Dominum” interiormente e também de um modo necessário exteriormente. Virados
para Deus e não para o povo (versus Deum e não versus populum).
2 - E que os fiéis dobrassem o
joelho diante de Cristo, no momento da Sagrada Comunhão, como o próprio São
Paulo o pede, ao invocar o Nome e a Pessoa de Cristo (Fil. 2, 10); e que os mesmos fiéis O
recebessem com o maior amor e o maior respeito possível, como aliás Lhe convém,
como verdadeiro Deus que é. Deus seja louvado pelo Papa Bento XVI, que encetou
ou iniciou, com duas medidas concretas, o processo do regresso do exílio
avinhonês litúrgico (exílio litúrgico de Avinhão),
isto é, pelo motu próprio Summorum Pontificum e pela reintrodução
do rito da comunhão tradicional (de joelhos e na boca).
Há ainda necessidade de muitas
orações e talvez de uma nova Catarina de Sena, a fim de que se realizem todos os
outros passos, de forma a curar as cinco chagas do Corpo Litúrgico e Místico da
Igreja e que Deus seja venerado na liturgia com esse amor, com esse respeito,
com esse sentido do sublime, que foram sempre as características da Igreja e do
seu Ensinamento, notavelmente através do Concílio de Trento, do Papa Pio XII, na
sua encíclica Mediator Dei, do Concílio Vaticano II, na sua constituição
Sacrosanctum Concilium e do Papa Bento XVI, na sua teologia da Liturgia,
no seu magistério litúrgico prático e no motu próprio já
citado.
Ninguém poderá evangelizar, se não
tiver primeiro adorado, e mesmo se não adorar permanentemente e não der a Deus,
a Cristo Eucaristia, a verdadeira prioridade, na forma de celebrar e em toda a
sua vida. Com efeito, para retomar as palavras do próprio Cardeal Joseph
Ratzinger: “É na forma de tratar a liturgia que se decide a sorte ou destino
da fé e da Igreja.
Mons.
Athanasius SCHNEIDER
15 de janeiro
de 2012
(em “L’Homme
Nouveau”, n° 1511 de 11.2.2012)
Fonte: mariamaedaigreja.net
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quarta-feira, 11 de junho de 2014
Monsenhor Athanasius Schneider : tudo, na Liturgia da Santa Missa, deve servir para que se exprima da mais nítida forma, a realidade do Sacrifício de Cristo
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